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Pandemia piorou a condição de trabalho dos jornalistas, concluem palestrantes

Atualizado: 31 de ago. de 2021





Júlia Leite


“Simplesmente o eixo da terra mudou, toda nossa rotina foi pro espaço”. A frase do jornalista e pesquisador Marlos Mendes, na mesa de abertura da 15ª edição do Controversas, em 16 de agosto, sintetizou a intensidade das mudanças no fazer jornalístico desde o início da pandemia de Covid-19. Janara Nicoletti, também jornalista e pesquisadora do Objethos, relatou que atualmente o jornalista vive uma situação atípica. “Antes da pandemia, o jornalista era a pessoa que reportava os fatos. Hoje também faz parte da realidade que está contando, então se desconectar daquela história é praticamente impossível”. Além de Marlos e Janara, o professor de psicologia da UFF Julio Figueiredo também participou do debate sobre “Pandemia e deterioração do trabalho: as armadilhas do home office e a produtividade tóxica'', com mediação da aluna do curso de Jornalismo Luiza Maia.


A respeito das dificuldades do presente e das inseguranças sentidas pelos estudantes sobre o futuro da profissão, o professor Julio Figueiredo afirmou que “o cenário, infelizmente, não aponta para a possibilidade de um ‘novo normal’ melhor”. Mas ele ressaltou que “vamos ter que lutar muito para reverter esse quadro. Não quero deprimir ninguém, é apenas uma análise mais realista possível do que muita gente está tendo que enfrentar nesse momento”.


Já Marlos citou como desafios não só sentidos por ele, mas por colegas: falta de fronteira entre trabalho e vida pessoal, estresse, fadiga de telas, cansaço. Para ele, “o trabalho se tornou um fardo. Porque o trabalho do jornalista na redação é muito descontraído, [...], e aí na telinha, com horário marcado, você fica isolado. Essa falta de ter com quem compartilhar também dificulta muito, a dinâmica era uma coisa insana”. Sobre produtividade tóxica, em uma rotina já tumultuada, Janara afirmou que “o jornalista tem essa sensação de angústia de não conseguir acompanhar tudo, de não conseguir cobrir tudo”.


Todos os convidados ressaltaram que a precarização do trabalho do jornalista já vinha ocorrendo e que, com a pandemia, esse processo se intensificou muito. Julio Figueiredo comentou também que com o home office desapareceram os espaços de fuga que existiam no trabalho presencial. “E isso é essencial para conviver com o ambiente de trabalho, é o buscar o cafezinho, fazer fofoca no corredor, [...], são momentos em que o trabalhador dá aquela respirada, em que ele pode sair um pouquinho do circuito e recarregar a bateria”. Para o professor de psicologia, esses momentos têm um sentido de defesa da saúde.


Janara chamou atenção para uma particularidade, “muitas vezes pelo status que o profissional tem, ele não consegue se enxergar como classe trabalhadora, e isso acaba prejudicando muitas vezes a capacidade de reivindicação da classe [jornalística], da mobilização de grupo para tentar conter esse tipo de abuso”. Ela destacou também um fator que a chamou atenção no processo: “fica muito clara essa precarização do trabalho em relação à qualidade do produto final. O jornalista tenta compensar [a sobrecarga de trabalho], mas chega um momento em que não dá”.


Por fim, Marlos Mendes pontuou: “se a gente pensar por uma perspectiva histórica, o jornalismo sempre foi uma profissão precária. [...] está difícil para todo mundo, pra quem está se formando e pra quem já está com 20 anos de trabalho, ou se aposentando”. Mas aconselhou: “por outro lado, acho que dá pra sonhar, dá pra buscar outras formas. Talvez cooperativas, talvez pequenos grupos que achem capital grande para financiar. Não precisa desesperar ainda não, aliás, desesperar jamais”, disse, em menção à canção “Desesperar jamais”, que fez sucesso nos anos 1980, na voz da cantora Simone.


Janara acrescentou que “se vocês escolheram ser jornalistas, não desistam, porque a gente percebe hoje, com a pandemia, que o papel dos jornalistas é essencial”. Julio Figueiredo ressaltou a importância da coletividade: “acho que a questão [profissional das dificuldades no trabalho jornalístico] não pode ser resolvida como uma questão individual. A saída será necessariamente coletiva, os trabalhadores vão ter que construir, para a gente melhorar esse cenário”. Entre 70 e 80 pessoas estiveram conectadas ao debate de abertura. Na meia hora final, o público pode mandar perguntas aos convidados.

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